Segundo uma crença indiana hindu, todo ser vivo tem um Senhor da Morte ligado a ele. Ele é representado nas em festivais religiosos como um anão corcunda, que anda sempre preso por uma corrente a um guardião. A ideia é que, enquanto essa corrente não estiver solta ou rompida, a vida que ele deve tirar está segura.
Há muito tempo, havia uma estrada em que todos que por ela transitavam encontravam a morte. Alguns diziam que a morte era causada por uma cobra; outros, atribuíam a fatalidade a um escorpião. Mas uma coisa era certa: todos os que percorriam aquela estrada morriam.
Certa feita, um viajante — um homem muito velho — transitava pela estrada. Extenuado, sentou-se em uma pedra para descansar. De repente, bem perto de si, viu um escorpião do tamanho de um galo. Enquanto o homem o olhava, o escorpião transformou-se numa horrenda serpente. O ancião, maravilhado, decidiu acompanhar a criatura, que se afastava, para descobrir o que ela realmente seria.
A cobra rastejou dia e noite e, atrás dela, como uma sombra, seguia o velho homem. Certa vez, a serpente penetrou numa estalagem e matou vários viajantes; outra, entrou no palácio do rei e o matou. Em seguida, ele se arrastou pela tromba d’água até o palácio da rainha e matou a filha mais nova do rei. Assim seguia o seu caminho e, aonde quer que fosse, ouviam-se choros e lamentos. E o velho a perseguia, silencioso como uma sombra.
De repente, a estrada tornou-se um rio largo, profundo e veloz, em cujas margens sentavam-se alguns viajantes pobres, que ansiavam por fazer a travessia, mas não tinham dinheiro para pagar a balsa. Então, a serpente se transformou num belo búfalo, com um colar de latão e chocalhos ao redor do pescoço, e achegou-se à beira do rio. Quando os pobres viajantes o viram, disseram:
— Aquele animal vai nadar até os páramos onde vive, atravessando o rio. Subamos em seu lombo e seguremos a sua cauda, de modo que nós também possamos atravessá-lo.
Os viajantes subiram ao dorso do animal e seguraram-no pela cauda. O búfalo nadou com eles corajosamente. Mas, quando chegou ao meio, começou a escoicear, até que, afinal, os homens caíram, ou se soltaram, e todos se afogaram.
Quando o velho, que havia atravessado o rio num barco, chegou ao outro lado, o búfalo havia desaparecido e em seu lugar havia um lindo boi. Ao ver esta bela criatura vagando, um camponês, atingido pela cobiça, atraiu-o para sua casa. O animal parecia muito dócil e deixou-se amarrar, sem reagir, juntando-se aos demais. Mas, na calada da noite, transformou-se em serpente e dizimou todo o rebanho. Depois, infiltrando-se sorrateiramente na casa, matou toda a gente adormecida e partiu. Mas, atrás dele, seguia o ancião, silencioso como uma sombra.
Logo eles chegaram a outro rio, onde a cobra assumiu a forma de uma bela jovem, linda de ser ver e coberta com joias caras. Depois de um tempo, dois soldados, que eram irmãos, apareceram. Quando se aproximaram, a jovem mulher se pôs a chorar amargamente.
— O que foi que houve? — perguntaram os irmãos. — Por que você, tão jovem e tão bela, senta-se à beira do rio, assim, sozinha?
Então a jovem-serpente respondeu:
—Meu marido me levava para casa quando, tendo descido ao riacho, procurando a balsa, achou por bem lavar o rosto. Então, escorregou e se afogou. Portanto, eu já não tenho marido ou parentes!
—Não tenha medo! — gritou o mais velho dos irmãos, que se enamorou de sua beleza. — Venha comigo e eu me casarei com você.
— Sim, mas com uma condição — respondeu a moça. — Você jamais me pedirá para fazer qualquer trabalho doméstico. E tudo o quanto eu lhe pedir, você me dará.
— Como um escravo, ser-lhe-ei obediente! — prometeu o jovem.
— Então, vá imediatamente ao poço e traga-me um copo d’água. Seu irmão ficará comigo — disse a jovem.
Mas, quando o irmão mais velho se foi, a jovem-serpente voltou-se para o outro, dizendo:
— Fuja comigo, porque eu o amo! Minha promessa a seu irmão foi um ardil para afastá-lo de nós!
— Nada disto! — retrucou o jovem. — Você é a esposa prometida de meu irmão, e eu a considero uma irmã.
Com isso, a moça ficou furiosa. Chorou e lamentou, até que o irmão mais velho voltou. Então ela gritou, chorando:
— Ó marido, eis aqui um vilão! Seu irmão me pediu para fugir com ele, abandonando-o.
Então, uma amarga ira dominou o coração do irmão mais velho, que, sentindo-se traído, desembainhou a espada e desafiou o mais jovem a uma luta.
Os irmãos pelejaram o dia inteiro. Mas, ao anoitecer, jaziam os dois mortos no campo.
A jovem recobrou a forma de serpente e, atrás dela, seguia o velho, silencioso como uma sombra.
Mas, por fim, ela se transformou num velho de barba branca. Quando aquele, que por tanto tempo a seguia, viu alguém semelhante a si, tomou coragem e, maneando a barba branca, perguntou:
— Quem e o que é você?
Então o velho sorriu e respondeu:
—Alguns me chamam de Senhor da Morte porque eu trago a morte ao mundo.
—Dê-me a morte — suplicou o outro —, pois eu o segui de longe, silencioso como uma sombra, e estou cansado!
Mas o Senhor da Morte balançou a cabeça, dizendo:
— Não é assim que as coisas são! Eu só dou a morte para aqueles cujos anos são fartos e você tem sessenta anos de vida pela frente!
Então o velho de barba branca desapareceu. Mas se ele realmente era o Senhor da Morte ou um demônio, quem pode dizer?
Maliku’l-maut é a variante mulçumana do nome; Kâl, a hindu. A crença é a de que todo ser vivo tem um “Senhor da Morte” ligado a ele. Ele é representado nas “peças da paixão”, tão comuns no Dasahrâ e noutros festivais, por um anão corcunda, retinto, com lábios escarlates, que, preso por uma corrente a um “guardião”, gira em torno de uma vareta negra. A ideia é que, enquanto essa corrente não estiver solta ou rompida, a vida que ele deve tirar está segura. A tradição é provavelmente de origem hindu. (N. de Richard Carnac Temple [1850 – 1931].)