No coração pulsante de São Paulo, onde as luzes nunca cessavam, um edifício se erguia como um fantasma de tempos passados, um relicário de decadência e esquecimento. Suas paredes, frias e mofadas, carregavam o peso de décadas de abandono, e no porão sombrio de sua estrutura deteriorada, habitava uma família à margem da sociedade. O ar ali era denso, carregado com o odor de umidade e desespero, e as sombras dançavam nas paredes desgastadas, sussurrando segredos de um passado sombrio.
Marcos e Ana, prisioneiros daquele covil, buscavam refúgio de um mundo exterior que ardia em caos e incerteza. A pandemia, como uma sombra insidiosa, os aprisionara em suas próprias mentes, transformando o porão em uma fortaleza contra os horrores invisíveis que os cercavam. Mas conforme a noite se aprofundava, um destino impiedoso começava a tecer um plano macabro, uma trama de terror que se desenrolaria sob a superfície.
Primeiro, eram apenas sons sutis — arranhões quase imperceptíveis, como o toque de garras famintas deslizando sobre o concreto frio. No início, ignorados, atribuídos aos ratos vagabundos que costumavam vagar por ali. Mas, com o passar dos dias, os arranhões tornaram-se um coro crescente de terror, uma sinfonia de medo que parecia emergir das próprias entranhas da escuridão, sedenta por alçar voo.
Naquela noite de angústia e incerteza, quando o medo já havia tomado conta de cada canto de suas almas, Marcos e Ana acenderam as luzes, e o horror se revelou com uma crueldade implacável. O porão, que antes servia como um refúgio, agora se transformara em um antro de pragas. Ratos, em uma onda frenética de corpos escuros e vorazes, se moviam com um frenesi grotesco. Não apenas roíam os objetos, mas também devoravam a própria carne Marcos e Ana. O pânico estava saturado de fezes e morte, e o ar, pesado com o cheiro pútrido, tornava a respiração um ato de coragem quase insuportável.
Confrontados pela horda, suas mentes começaram a se desintegrar, o terror diluindo as barreiras da sanidade. O rastejar incessante dos roedores se fundia aos pensamentos, uma melodia dissonante que ressoava nas profundezas de suas almas. Transformações grotescas aguardavam-nos: dedos se alongavam em garras afiadas, peles se tornavam ressequidas e então pelos grossos nasciam da profundidade de suas carnes podres. Bocas se enchiam de dentes vorazes, enquanto a realidade se distorcia e a humanidade se desfazia sob o peso do horror.
E naquela sinfonia de caos, a família se fundia com a praga, em um balé macabro de humanidade e bestialidade. No porão devastado, risadas macabras ecoavam como um lamento sinistro no meio da noite. Tornaram-se criaturas do pesadelo, vagando pelas sombras, parte de uma epidemia que se alastrava como uma lenda urbana — um sussurro do que restara de suas almas, agora irremediavelmente perdidas.