Hoje venho falar de um clássico da literatura do terror que, há décadas, tem mexido com o imaginário dos amantes do gênero. Psicose, o livro que deu tão certo que virou filme, série e ainda mesmo após décadas de sua criação, continua a intrigar os leitores e espectadores, inspirando muito outros autores, dentre eles o próprio Stephen King.
Concebida pelo autor norte-americano Robert Bloch, que também escreveu livros de ficção científica, terror e fantasia, além de centenas de contos, a obra foi escrita em 1959 e ficou mundialmente conhecida, após o cineasta Alfred Hitchcock fazer a versão cinematográfica que virou um ícone nas telas, consagrando a imagem do chuveiro que se perpetua até os dias atuais.
Comprando os três mil exemplares disponíveis dos livros, Alfred os trancou em um galpão para manter sigilo do final da história e, assim, criar em estúdio aquele que seria conhecido como um revolucionário filme de suspense. Claro que Hitchcock não teve apoio na época para esse empreendimento, portanto apostou do próprio bolso e o retorno foi algo extremamente compensador em questão financeira e aceitação de público.
Fora de circulação por aqui há mais de cinquenta anos, a obra nos foi trazida novamente pela editora DarkSide e, ao terminar a leitura, só pude fechar o livro e pensar na profundidade das questões abordadas e como Robert Bloch escreveu tão ricamente sobre os tormentos de um homem isolado da sociedade e que acabamos nos aproximando tão intimamente.
Norman Bates dirigia o motel sozinho desde que sua mãe, uma mulher doente, não pode mais cuidar dele. Ele vivia na casa na colina atrás do motel desde que nasceu e por todos seus quarenta anos e, mesmo sendo uma casa antiga, sombria e antiquada, isso não o incomodava, pelo contrário, se sentia seguro e tranquilo em estar cercado por objetos familiares. Ali tudo era metódico e organizado.
“Só lá fora as coisas mudavam. E a maior parte dessas mudanças trazia uma ameaça em potencial.”
Era assim, como nesse pequeno trecho, que Norman se sentia em relação ao mundo exterior. Para ele, estar seguro no lar lendo um livro era o ideal de segurança, e em suas leituras ele se encontrava e se redescobria. Norman sabia, ele podia pressentir que tinha alguma coisa errada com ele, principalmente com a relação estranha que mantinha com a mãe. Uma mulher controladora, abusiva e com sentimentos de posse em relação ao filho.
“Nunca teve a menor iniciativa, não é garoto? Nunca teve a iniciativa de sair de casa. Nunca teve a iniciativa de arranjar um emprego, ou se alistar no exército.”
Sempre usando palavras duras, a mãe o subjugava, mas Norman não conseguia reagir aos desmandos e insultos ditos por ela.
“A senhora é que não deixou”.
Ele não a contrariava, não a contradizia, mas sabendo do problema, tentava racionalmente resolvê-lo junto à mãe. Ele já tinha lido nos livros algo parecido sobre a relação dos dois e sabia que algo precisava ser feito.
“Acho que se nós dois pudéssemos examinar juntos racionalmente o problema e tentar compreende-lo”.
Mas as coisas não mudavam, suas forças eram pequenas demais perto do poder psíquico que ela exercia sobre ele, e continuava o jogo de mãe manipuladora e filho subjugado até que algo novo aconteceu.
Mary Crane era uma garota de 27 anos, solteira e que sempre cuidou da mãe doente e da irmã caçula, abrindo mão de seus sonhos, da faculdade, até que fosse tarde demais para retomá-los.
Após a morte da mãe, Mary foi fazer uma viagem onde conheceu o noivo, Sam. Apaixonados, os dois desejavam se casar, entretanto o rapaz tinha uma grande dívida herdada junto com a loja que pertencera ao pai e ambos tinham que aguardar para realizar o casamento.
Entristecida, Mary ficou desanimada em ter que esperar tanto até que viu a oportunidade na agência imobiliária em que trabalhava, quando seu chefe lhe confiou o depósito de 40 mil dólares em uma tarde.
Mary Crane viu nisso a chance de acelerar as coisas, pagando as dívidas de Sam e se juntando ao amado, decidindo fugir com todo o dinheiro naquela mesma tarde. Depois de uma fuga louca, trocas de carros e de se perder próxima à cidade de Sam, a jovem acaba indo parar no Bates Motel e conhecendo o solitário Norman.
Convidada para jantar na casa de Norman, Mary aceitou após uma leve hesitação, mas uma vez lá dentro ela claramente percebeu a situação de submissão que o dono do motel vivia e, sem saber, a jovem irritou muito a mãe, Norma, que tinha ciúmes anormal do filho.
Nessa mesma noite algo terrível acontece que levará o leitor a todo um envolvimento emocional com a história, sem conseguir largar o livro, preso à leitura com os olhos vidrados.
“Mary começou a gritar. A cortina se abriu mais e uma mão apareceu, empunhando uma faca de açougueiro. E foi a faca que, no momento seguinte, cortou o seu grito. E a sua cabeça.”
Lili, acompanhada do noivo de Mary Crane, quer respostas pelo sumiço da irmã, assim como o detetive que a imobiliária colocou no encalço da jovem, mas não será fácil obtê-las de Norman que, amedrontado, porém consciente de certa forma, fará de tudo para proteger a mãe do que possa vir acontecer. No final, a reviravolta da verdade pode levar a sentimentos contraditórios como pena, compaixão e horror.
Um enredo escrito de forma que mexe com a mente dos leitores, ainda que já tenham assistido a versão cinematográfica.
“Como se fossem duas pessoas, na verdade –– a criança e o adulto. Quando pensava na mãe, ele voltava a ser criança, usava vocabulário de criança, referência e reações infantis. Mas quando sozinho, não; em verdade, não sozinho, mas afundado em um livro, era um indivíduo maduro. Maduro o suficiente para compreender que talvez fosse vítima de uma forma leve de esquizofrenia, ou provavelmente uma neurose na fronteira dela.”
“De certa forma, eu quase posso entender. Nós não somos tão lúcidos quanto fingimos ser”.